domingo, 29 de janeiro de 2012

Vestido de noiva

Teu vestido de noiva está guardado
religiosamente num armário
que funciona como relicário
dos teus pertences, muito bem fechado.


É de puro cetim aveludado
com um toque de seda extraordinário
que embora sendo já sexagenário
ainda se conserva em bom estado.


Está guardado para quando for
o casamento feito por amor
da primeira bisneta que tivemos.


Tem o teu corpo, tem o teu feitio,
o teu donaire, formosura e brio,
a Maria do Mar, a quem o demos!

João de Castro Nunes

"Vida da vida"

Prof. A. Carvalho Homem

Se em plena Inquisição ambos os dois
tivéssemos vivido, Professor,
teríamos ardido como heróis
num público braseiro assustador.

Reabilitados hoje, com certeza,
o crime contra nós então julgado
teria sido amar a Natureza
em cada ser ou coisa ao nosso lado.

Em tudo vejo Deus, especialmente,
como Vossa Mercê diz muito bem,
no que de mais excelso tem a gente,

ou seja, nas Mulheres, que eu também,
de modo singelíssimo e sincero,
a sua melhor obra… considero!

João de Castro Nunes

sábado, 28 de janeiro de 2012

Um Rei entre estudantes

Discreto, culto, estudioso e bom,
é assim que o vejo, ouvindo as prelecções
de Alexandre Herculano, cujo dom
de historiador lhe prende as atenções.

De resto, entre o cuidado de reinar
de acordo com a sua consciência
sem a Constituição desrespeitar,
passou sua brevíssima existência.

Sua esposa adorou, Dona Estefânea,
que tão cedo o deixou, por quem nutria
uma afeição que a todos comovia.

Que lindo foi, na terra das tricanas,
ouvir dos estudantes, espontânea,
a grita de académicos hossanas!

João de Castro Nunes
Noites citadinas com
Vergílio Ferreira
****************

À noite, as nossas vilas e cidades
são taciturnas como um cemitério,
envolvendo-as a todas um mistério
que lhes advém do fundo das idades.

É mais ou menos isto que pretende
dizer na sua prosa depurada
o autor beirão da aldeia que arruinada
aos pés da serra hermínica se estende.

Tudo à noite nos fala de um passado
que no tempo parou, mas de algum modo
dentro de nós perdura humanizado.

Ah! quem pudesse desvendar de todo
a alma das terras quando à noite as vemos
e suas ruas mortas percorremos!

João de Castro Nunes

Visita real

No centenário da visita de D. Carlos a Arganil

Ainda em Arganil há pouco havia,
senhoras sobretudo, já de idade,
quem se lembrasse da festividade
em honra do Monarca e companhia.

Eram então meninas… deslumbradas
com as feições do Príncipe Real
que a todas acenava, por igual,
ao vê-las das janelas debruçadas.

Nas escolas primárias pernoitaram
que os autarcas da vila decoraram
com ricos móveis vindos do Mosteiro.

Foi o adeus às Beiras… derradeiro:
em plena capital, meses depois,
assassinaram brutalmente os dois!

João de Castro Nunes

Versatilidade

Não sou positivista: não aceito
que os povos obedeçam cegamente
a um código de regras imanente,
ao qual o ser humano está sujeito.

Na vida colectiva das nações
é tudo imprevisível, dependendo
de circunstâncias várias, que vão tendo
as mais diversas manifestações.

Nega a realidade a teoria,
surgindo de relance a monarquia
na altura em que a república se espera.

E, vice-versa, observa-se o contrário,
assim como nem sempre ao calendário
se ajusta com rigor a primavera!

João de Castro Nunes

"Trago-te na minha vida"

Vítor Matos e Sá

Comigo a trago ainda antes de eu nascer:
seria eu pó de estrela ou coisa assim
e já prevendo o que ia acontecer
Deus a terá pensado para mim.

Desde o primeiro instante em que eu a vi,
toda “purinha” como a luz da aurora,
olhos nos olhos, a reconheci
imediatamente, sem demora.

Hoje que ela voltou ao paraíso
onde, se não for antes, penso vê-la
no prometido dia do juízo,

continuo em espírito a trazê-la
dentro de mim nos filhos que me deu
e prova são de que ela não morreu!

João de Castro Nunes

Velharias

Em cada capitel, cada coluna
de igreja ou catedral, em cada areia
do vasto litoral, em cada duna,
em cada fortaleza, em cada ameia;

em cada seixo, trabalhado ou não
pelo homem primitivo das cavernas,
em cada móvel, prato ou canjirão
pousado sobre um banco já sem pernas;

em cada colcha antiga de croché
ou de Alcobaça, quando verdadeiras,
das velhas camas tipo D. José;

em tudo quanto dentro de fronteiras
constitui património nacional
palpita… o coração de Portugal!

João de Castro Nunes

Como veludo de casula

A minha Poesia não é fogo
que abrasa e queima como a de Camões,
não tem a violência dos vulcões
nem o fulgor dos astros… desde logo.

Não tem do sol a chama abrasadora
que a pele nos bronzeia à beira-mar,
não tem a força do calor da aurora
em dias de verão canicular.

A minha Poesia é de veludo
de seda italiana, quinhentista,
suave ao tacto, deleitando a vista.

Tem dos teus olhos, meu amor, a cor
e do sorriso teu, mais do que tudo,
a cândida expressão do teu pudor!

João de Castro Nunes

Elites... outras

Ao Prof. Amadeu Carvalho Homem

A Portugal, neste momento, agora
faltam, de facto, Insigne Professor,
as chamadas elites, essa flora
que se distingue pela sua flor.

Falta quem nas camadas sociais
de maior nível intelectual
pense nas soluções estruturais
que nos retirem deste lodaçal.

Não é com primarismos descabidos,
com manifestações, com arruadas,
que o país escoa as águas inquinadas.

Como consigo ocorre, vem-me à ideia
aquela selectíssima… assembleia
dos “Vencidos da Vida” hoje esquecidos!

João de Castro Nunes

Azul e branco

Bandeira azul e branca dos começos
da nacionalidade portuguesa:
tinha tão-só singelamente expressos
os cunhos pessoais da realeza!

Trazida pelo conde borguinhão,
que a recebeu dos seus antepassados,
tornou-se na bandeira da nação
atravessando todos os reinados.

Era de prata o fundo sobre o qual,
pelas quinas depois continuada,
a cruz azul estava “carregada”.

Por ter a cor da Virgem sua Mãe,
que por sinal é a cor do céu também,
esteve sempre Deus com Portugal!

João de Castro Nunes

Vazio epistolar

(Carta virtual para
Joaquim de Montezuma de Carvalho)

Das suas cartas sinto muita falta,
amigo meu, que Deus a si chamou:
cada manhã, grande pesar me assalta
quando ao cacifo do correio vou.

Contrariamente ao que era habitual,
não há correio seu… quase diário:
longas missivas em papel banal
mas do melhor recorte literário.

Fazia-me contínuas confidências
sobre as mais lamentáveis ocorrências
deste país… em desagregação.

Mas nunca pôs em causa, isso é verdade,
os laços de recíproca afeição
que entre nós houve… por afinidade!

João de Castro Nunes

Ventos de império

Ventos de império sopram no ocidente
por terras da Galiza e Portugal,
ventos de vocação “imperial”
que é tão peculiar da nossa gente.

Não dos impérios territoriais
sob as nossas bandeiras governados,
mas sim dos idiomas irmanados
por sons e termos quase em tudo iguais.

Ventos do quinto império da Saudade
que literariamente e na verdade
tem dominado a nossa Poesia.

Deus deite a sua bênção desejada
à fala que nos une e foi usada
por Luís de Camões e Rosalía!

João de Castro Nunes

Neo-sebastianismo

Jovens de Portugal, do meu país,
“à beira-mar plantado”, à cabeceira
da Europa ocidental que foi matriz
ou, por outras palavras, pioneira

do pós-moderno surto do humanismo,
traçai a vossa condição futura
acreditando no sebastianismo
como a superação da criatura!

Perdendo o medo seja do que for,
venha donde vier, da terra ou céu,
e tendo em vista apenas o Amor,

fazei como o Rei fez quando morreu
partindo para a luta à desfilada
alto e bom som bradando: “Ou tudo ou nada!”.

João de Castro Nunes

Vale o que vale

Para um Amigo brasileiro

A minha poesia não precisa
de discutíveis láureas académicas
nem de ser alvo de questões polémicas
por ser ou não daquela ou desta guisa.

Vale por si, quer se concorde ou não,
pela autenticidade que possui,
o que, mais do que nada, contribui
para lhe dar geral aceitação.

Ao que suponho, basta para o ver
dar-se ao trabalho de escutar ou ler,
sem preconceito algum na sua mente,

qualquer soneto meu, cujo andamento
se rege pelas leis do firmamento
que apenas o Poeta infere e sente!

João de Castro Nunes

Auto-confiança

Todos os dias Portugal desperta
com a entranhada e mítica ilusão
de ser a hora prometida e certa
de estar de volta… D. Sebastião.

Todas as noites Portugal se deita
após mais uma atroz desilusão,
que logo vence e novamente aceita
que está no mito a sua salvação.

Há que pôr termo a este despautério
e recobrar nossa auto-confiança
desfeita em névoa pelo Rei-criança:

que volte, pois, o Rei-menino, já,
neste serão, na próxima manhã,
que venha pronto, mas que seja a sério!

João de Castro Nunes

Valeu por todas!

Esta homenagem que eu não esperava
e que agradeço, muito comovido,
vale por todas de que se falava,
mas sempre recusadas me têm sido!

A verdade, porém, é que no fundo
a culpa é toda minha, pois o certo
é que talvez por um desdém profundo
nunca a poder algum me cheguei perto.

Sempre me quis assim conforme sou,
avesso desde logo a sujeições
honras visando e condecorações.

Não me são gratas, mas por excepção
esta me encheu de gáudio o coração
e para meu governo me bastou!

João de Castro Nunes

Veleidades

Filho de antiquários afamados,
coevos de Barjona e de Junqueiro,
nasci num berço de ouro verdadeiro
de príncipes há muito embalsamados.

Cresci por entre arcazes brasonados
de casas nobres mas que sem dinheiro
tudo vendiam para ao usureiro
irem pagando… juros atrasados.

Daí meu gosto pelas velharias
que foram a paixão da minha vida
e me inspiraram tantas poesias!

Cercado de relíquias de solar,
eu me supunha, de alma convencida,
um conde em algum reino por achar!

João de Castro Nunes

Última dádiva

Minha sexta bisneta nasceu linda
como os anjos do céu, só lhe faltando
as asas para o ser, mas tendo ainda
o seu sorriso azul de quando em quando.

Alegria respira de feliz
no pequenino berço que a encerra,
não se importando, em termos de país,
de o céu haver trocado pela terra.

Nunca vi criancinha tão bonita
com seis meses apenas e feições
de mulherzinha já… sem decepções.

Naquele doce olhar com que me fita
vislumbro Deus que, sem eu merecer,
me quis uma vez mais favorecer!

João de Castro Nunes


Coimbra, 19 de Dezembro de 2010

"Les uns et les autres"

(Carta de Veiga Simões a Oliveira Salazar)

Hoje, Excelência, o Fuhrer recebeu
o corpo diplomático, do qual
me destaquei como é habitual
sempre que nestes actos estou eu.

O Fuhrer um a um cumprimentando
distantemente, sem fitar ninguém,
por todos apressado foi passando
e só na minha frente se detém.

Na sua comprimindo a minha mão,
fez-me uma calorosa saudação
que francamente me deixou feliz.

Saiba Vossa Excelência que lho digo,
não pelo caso se passar comigo,
mas por dizer respeito ao meu país!

João de Castro Nunes

A tempo e hora

Uma hora existe sempre para tudo:
uma hora para César exaltar,
outra para na cúria o apunhalar,
desprevenido… sem qualquer escudo.

Hora de sim dizer ou dizer não,
conforme as circunstâncias determinem
e os augurais presságios nos ensinem
qual deva ser a nossa direcção.

Sem D. João Segundo estar ao leme,
insegura se sente a marinhagem
que ante o Adamastor se encolhe e treme.

Altura é de escrever-se outra “Mensagem”
que refundindo o que o poeta diz
releve os novos rumos do país!

João de Castro Nunes

Teófilo Braga

(Esboço para um retrato)

Republicano de alma e cração
até ao mais profundo do seu ser,
ante qualquer contrária opinião
Teófilo primou por não ceder.

Temível polemista, estudioso
das tradições históricas do Povo,
traçou de modo firme e rigoroso
do seu porvir um panorama novo.

Trabalhador infatigável, culto,
modesto, ficou célebre o seu vulto
nas ruas de Lisboa, pelas quais,

seu guarda-chuva nunca abandonando,
transitava apressado sobraçando
um maço de papéis e de jornais!

João de Castro Nunes

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

"Saudades de nós"

Há que reconhecer que a nossa gente,
além de toda a espécie de saudades
que afectam as demais comunidades,
tem uma que é das outras diferente.

Não é que nós sejamos desiguais
dos outros povos ou das outras raças,
mas a verdade é que, nestas devassas,
nós nos achamos sempre especiais.

Para nós a saudade é como um mito,
como um estigma que trazemos dentro
da nossa carne em funda letra inscrito.

Quer seja à flor da pele ou bem no centro,
até da nossa própria identidade
um laivo temos todos… de saudade!

João de Castro Nunes

"Cântico dos cânticos"

Tão recatada como a flor do cardo,
que linda foste, meu amor, que linda!
que bem cheiroso era o teu corpo a nardo
que não se esvaneceu de todo ainda!

Ai quem me dera ter de Salomão
a lira que ele usou para cantar
da esposa a irresistível sedução,
morena como as tendas de Quedar!

Como eu te exaltaria, ó bem amada!
qual outra Sulamita requestada,
mas de alva pele e olhos cor do céu!

Ninguém mais falaria, ouvindo o meu,
no “Cântico dos Cânticos” judeu,
senhora!… que por Deus me foste dada!

João de Castro Nunes

Campo de concentração

Repleta de minhotos, transmontanos,
gente da Beira, Algarve e região,
a Lisboa de agora, destes anos,
parece um campo de concentração.

Um ponto se tornou de convergência
da grande maioria dos concelhos
quase desertos em consequência
de se irem convertendo em lar de velhos.

Com a afluência aos bairros da cidade
sem distinção de origem nem de nada
vai o país perdendo a identidade.

Terra de exílio, acabará por ser
uma parda cidade povoada
por quem somente quer sobreviver!

João de Castro Nunes

Retorno a Camelot

A Camelot havemos de tornar
numa manhã de sol sem nevoeiro,
a Camelot, o nosso antigo lar,
o reino da Ventura verdadeiro!

Dos nossos erros já purificados,
tu como Guenevere, eu como Artur,
havemos de voltar regenerados
sob a mágica acção da Excalibur.

Ser-nos-á permitido ter na mão,
por finalmente o termos merecido,
o místico Graal da Redenção.

Com Lancelot a encher-nos de coragem
e Perceval a abrir-nos a passagem,
teremos o retorno… garantido!

João de Castro Nunes

Fazer o mal... por bem

Ao Poeta Zé-Manel Polido

Por excesso de zelo ou calculismo
- quem poderá fazer a distinção? –
encheu-se o céu de santos por acção
de um falso e diabólico humanismo.

Nas chamas que ateou a Inquisição
a fim de combater o judaísmo
e limpar de erros o catolicismo
houve quem alcançasse a remissão.

Fosse cinismo ou pura crueldade
ou simplesmente assomos de vaidade,
o mal em si não conheceu fronteiras.

No juízo de Deus, provavelmente,
quantos hereges mortos nas fogueiras
ganho terão de santos a patente!

João de Castro Nunes

Imperdoável

Os teus lençóis de linho poluíram
os teus concidadãos, os habitantes
da terra maternal, que preferiram
João Brandão lembrar aos estudantes.

Estando tu indiscutivelmente
entre os poetas de maior valor,
os teus concidadãos, a tua gente
trocou-te por um vil salteador.

Passou-se o teu primeiro centenário
sem que as autoridades promovessem
qualquer sessão ou acto extraordinário.

Perante a indiferença oficial
que ao menos os munícipes soubessem
honrar o seu Poeta principal!

João de Castro Nunes

Imperecível

Tu não morreste, amor, porque te vejo
imaginariamente ao pé de mim
com teu sorriso, exactamente assim
como ao longo dos anos te entrevejo!

Tu não morreste, porque em pensamento
nunca deixaste de me acompanhar
por toda a parte, sem me abandonar
em cada instante, em cada movimento!

Tu não morreste, porque em meus poemas
sempre presente estás, ó meu amor,
independentemente dos seus temas!

Na sua letra, em tons de arte maior,
perdurarás indefinidamente
enquanto para os ler… exista gente!

João de Castro Nunes

Impaciência

Esperando viver eternamente,
com a Morte me deito lado a lado
em cada nova noite que me é dado
contigo adormecer na minha mente.

Desde que foste para o céu morar
junto dos santos e de Deus à beira,
passou a ser a minha companheira
sem um momento só me abandonar.

Sinto-me bem na sua companhia
e quando rezo pelo teu descanso
sinto-a rezar comigo em sintonia.

Na fé de que só ela tem poder
para levar-me a ti, eu não me canso
de lhe pedir, amor, para o fazer!

João de Castro Nunes

Ode à ilusão

Sonhei-me sempre um cavaleiro andante
por esse mundo fora erguendo a lança
por minha dama, cheio de esperança
de a não desmerecer em cada instante.

Sonhar não é delito: o próprio Deus
nos revelou a sua natureza
servindo-se dos sonhos, como reza
a tradição sagrada dos judeus.

O sonho é uma segunda dimensão
que todos temos e por cujo meio
a gente se alimenta de ilusão.

Que sonho foi a nossa vida, amor!
só que a sonhar chegámos a supor
que nunca findaria… o nosso enleio!

João de Castro Nunes

Academia do Idoso

Em homenagem ao Provedor
da Santa Casa da Misericórdia de Arganil

Feliz ideia teve, na verdade,
a Santa Casa para promover
a Academia da Terceira Idade,
pois nunca é tarde para se aprender.

Pelo contrário, é sempre boa altura
para em qualquer momento repensar
o actual estado da cultura
e a seu respeito se ficar a par.

Quando Deus nos chamar a prestar contas,
convém levarmos as respostas prontas
sobre as ocasiões desperdiçadas.

Eu próprio, sem qualquer tipo de pejo,
não deixarei de aproveitar o ensejo
para assistir às aulas programadas!

João de Castro Nunes

Prof. catedrático (jubilado)

Idolatria

Tive um culto na vida: o meu amor,
aquela a quem no peito levantei
um sacrossanto altar de ouro de lei,
onde hoje rezo ainda com fervor.

Todos os dias me ajoelho em frente
do seu retrato nas paredes posto
do nosso antigo lar, onde se sente
o seu furtivo odor de fino gosto.

Mais do que a Deus talvez lhe prestei culto,
muito acima dos anjos e dos santos,
sem nosso haver espírito de insulto.

É que, se assim não fora, eu era réu
de haver menosprezado os seus encantos
só para mim… criados pelo céu!

João de Castro Nunes

Aurea mediocritas

“A justa medida em tudo é excelente”

Pitágoras

Assim também o disse o velho Horácio,
o vate preferido de Mecenas,
introdutor da métrica de Atenas
na poesia lírica do Lácio.

Derrotado em Filipos combatendo
em prol dos ideais republicanos,
ao fim de tormentosos desenganos
foi sua vida aos poucos refazendo.

Epicurista de alma e coração,
em odes a Mecenas dedicadas
mostrou-se adepto da moderação.

Dizer-se pode que, por outras formas,
foram por ele em Roma exercitadas
do filósofo grego as áureas normas!

João de Castro Nunes

Hora de bonança

Depois dos vendavais… vem a bonança
e com ela se volta à quietude,
à tranquilidade… que se alcança
por obra de paz de alma e de virtude.

Metaforicamente me expressando,
o mesmo isto é dizer que é necessário
a mente repousar de quando em quando
para um qualquer evento extraordinário.

Após mexer no ninho das serpentes
e de as aquietar… adormecendo-as
com belos cantos, doces como amêndoas,

deixemo-nos de gestos imprudentes,
não vão acaso as serpes assanhadas
morder-me as mãos sem luvas, descalçadas!

João de Castro Nunes

Identidade

Não me confundo a mim com mais ninguém
seja em que aspecto for de ordem moral
ou natureza circunstancial
e certamente física também.

Cingindo-me às virtudes e defeitos
da minha condição de português,
sou como sou, conforme Deus me fez,
distinto de quaisquer outros sujeitos.

Pelas antiguidades tenho apreço,
gosto de compor versos à maneira
dos clássicos de altíssima craveira.

Se acaso afoitamente me conheço,
comigo mesmo apenas me confundo,
querendo assim permanecer no mundo!

João de Castro Nunes

Disparidade

Sempre que eu desejar falar contigo,
Senhor meu Deus! hei-de compor as frases
tomando por modelo as que tu fazes
quando te dignas conversar comigo!

Embora eu tenha alguma formação
e até me considere um linguista,
sei que me falta ser um humanista
para entender a tua elocução.

Tenho conhecimentos de retórica,
filologia prática e teórica,
e sei latim e grego quanto baste,

mas tudo é pouco para estar à altura
de dirigir-te a voz, que te procura
nos confins do universo que criaste!

João de Castro Nunes

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Maria Leonor

Porte distinto, compleição meã,
gentil, bem parecida, inteligente,
a Leonor tinha um enorme afã
de não se confundir com toda a gente.

Até calhou de ser pouco vulgar
a forma como o nome lhe foi dado,
o qual, sem tradição familiar,
a livros de outro tempo anda ligado.

Um par de filhos teve, que lhe deram
cada qual uma neta, que fizeram
todo o supremo encantamento dela:

uma família que dá gosto vê-la,
fácil não sendo haver uma outra igual
quer no estrangeiro quer em Portugal!

João de Castro Nunes

Goethe

Ante os heróis me curvo com respeito,
seja qual for seu tipo de heroísmo,
seja qual for o respectivo feito,
sem pôr em causa o meu patriotismo.

A todos eles tiro o meu chapéu
independentemente da nação
em cujo solo está seu mausoléu
para imortalizar a sua acção.

Políticos, soldados, pensadores
merecem por igual a minha estima,
a par dos mais egrégios escritores.

Somente abro excepção para os Poetas
que, como Goethe, ponho muito acima
das minhas referências predilectas!

João de Castro Nunes

Glorificação

Ao som das harpas, cítaras e liras
em versos de Camões de preferência
cantem os anjos de olhos de safiras
aquela que abrasou minha existência!

Façam-lhe os astros todos à mistura,
constelações, estrelas, nebulosas,
a condizer com sua formosura
um mausoléu de luzes radiosas!

Arrulhem pombas mansas ao seu lado
na terra onde se encontra sepultado
seu corpo que na mente vivo tenho!

Consigo a tenha Deus à minha espera
em corpo e alma como prometera
quando por nós morreu no santo lenho!

João de Castro Nunes

À luz dos girassóis

Para Eugénio de Andrade

Ao pé da tua, a minha Poesia,
caro Poeta das roseiras bravas,
das coisas simples em que te inspiravas,
é pura prosa sem qualquer valia!

Admiro em ti, por intenção tomada
sem género nenhum de coacção,
a tua singeleza ou discrição
propositadamente cultivada.

Há sol nos teus translúcidos poemas,
sol e luar, segundo o estado de alma
ora de excitamento ora de calma!

Subtil na forma e lírico nos temas,
alheio a exibições de linguagem,
de ti teus versos são perfeita imagem!

João de Castro Nunes

Confluência parental

Nobre de origem pela sua mãe,
azteca de raiz incontestável,
o Dr. Montezuma era-o também
pelo carácter firme e inquebrantável.

Do pai, lente eminente e consagrado
da ciência filosófica, lhe veio
o gosto pelas letras aliado
à aceitação do pensamento alheio.

Inteligente, culto e tolerante,
propenso a escrever, perseverante,
deixa um legado vasto e valioso.

Com a sua amizade deferente
me distinguiu desmerecidamente,
fazendo-me sentir algo saudoso!

João de Castro Nunes

Dupla vida

Estranhas coisas sonho; estranhos mundos
passam pelo meu cérebro dormindo
como sendo reais, como existindo
com traços desde logo mais profundos.

Não sei donde procedem tais figuras
que em vida nunca vi, nunca enxerguei
em circunstância alguma ou vislumbrei
aquelas curiosas criaturas.

É como se tivesse duas vidas
em paralelo e ambas assumidas
em diferente grau de consciência.

Vezes sem conta dou a preferência
às oníricas naves que sem velas
me levam pelo meio das estrelas!

João de Castro Nunes

Dalai-Lama

Esteve em Portugal o Dalai-Lama,
sempre a sorrir com naturalidade:
no mundo em que se vive é uma chama
que eleva e purifica a humanidade.

Mal ou bem recebido, não importa:
com seu humor nimbado de elegância
tudo de forma igual ele suporta
em nome da suprema tolerância.

Como oportuna foi a sua vinda
à nossa terra que padece ainda
de um quase atávico autoritarismo!

Com personalidades como a sua
é que se aprende a transformar a rua
numa alta escola de universalismo!

João de Castro Nunes

Bravura, santidade e vilania

A Sua Eminência o Cardeal-Patriarca
de Lisboa, D. José Policarpo

Vossa Eminência tem toda a razão
no que respeito diz à santidade,
perante a qual não há conformidade
por parte do governo da nação.

Os nossos governantes não se dão,
na sua quase generalidade,
com tudo quanto cheire, na verdade,
aos símbolos do espírito cristão.

Preferem ver no santo condestável,
e mesmo assim com muitas reticências,
o paladino audaz e formidável.

Em grande parte, suas excelências
convivem com mais gosto e simpatia
com as demonstrações de vilania!

João de Castro Nunes

Caminho de Santiago

Aos meus Amigos compostelanos

Granítica cidade jacobeia,
onde gastei a sola dos sapatos
ao longo de sete anos de contactos,
escuta uma vez mais a minha ultreia!

Pelas vezes sem conta que trilhei
as tuas praças e os teus recantos,
os teus degraus românicos e santos,
ao céu directamente subirei.

Como durante parte da existência
fiz o caminho que de Portugal
conduz à tua velha catedral,

já não terei que lá voltar um dia
após a morte, como ocorreria
se o não fizesse com antecedência!

João de Castro Nunes

A caixa de charutos

Na tampa duma caixa de charutos
tenho um quadro pintado por Malhoa:
comprei-o numa loja de produtos
de artesanato há tempos em Lisboa.

Era hábito do mestre utilizar
para dar corpo à sua inspiração
o que na altura ou em qualquer lugar
para esse efeito lhe viesse à mão.

De natureza sacra, representa,
muito ao seu gosto, Cristo ajoelhado
no sítio onde será crucificado.

Analisada por pessoa isenta,
a caixa de charutos vale agora
uma fortuna… em caso de penhora!

João de Castro Nunes

Casa de orates

Parece que o país abertamente
a converter-se está, na actualidade,
num manicómio em que a sociedade
dá todos os sinais de estar demente.

Desde o governo ao zonzo parlamento,
passando pelas várias autarquias
e suas respectivas freguesias,
não há vislumbre de discernimento.

Se no que diz respeito à educação
tudo vai mal, o que dizer então
dos outros diferentes ministérios?

Fazem-nos falta governantes sérios
que com bom senso e lúcidos critérios
nos tirem de uma tal… situação!

João de Castro Nunes

Justeza onomástica

Silvas, Ferreiras, Sousas, Professor,
e tantos outros lusos apelidos,
possuem todos, como é de supor,
os seus genealógicos sentidos.

O de CARVALHO alude à robustez,
à resistência e força de querer,
como é próprio do HOMEM português
de antes quebrar, partir, mas não torcer.

Deu-se em V. Exª a circunstância
de estes próximos termos se fundirem
na mesma criatura… em redundância.

E para os santos ritos se cumprirem
juntou-lhes a Senhora Sua Mãe
o nome de AMADEU, santo também!

João de Castro Nunes

Fernando Namora

(Rua dos Militares, nº 10)

Quase sempre de capa e de batina,
recordo-o bem, dos tempos de estudante,
quando ele era escolar de medicina,
comigo se cruzando a cada instante!

Na mesma casa estávamos os dois,
donde saiu já próximo do fim
de se licenciar, para depois
abandonar Coimbra antes de mim.

Nunca supus que ele viria a dar
num escritor, num grande romancista
de estilo primoroso e singular!

Foi nessa casa, creio, frequentada
por estudantes de índole esquerdista
que ele ouviria o eco da chamada!

João de Castro Nunes

Heróis... outros

À memória de Sir Thomas More

Herói não é tão-só quem oferece
o peito às balas enfrentando a morte;
nem sempre é o soldado audaz e forte
que esse apelido excepcional merece.

Herói é sobretudo, quanto a mim,
quem perante o carrasco que o tortura
não verga, não se rende, mas perdura
nos seus pontos de vista até ao fim.

Herói é quem no poste das fogueiras
não cede e continua a defender
as crenças que ele tem por verdadeiras.

É perante esses que me curvo e rendo
porque são eles que, segundo entendo,
de heróis o vero nome devem ter!

João de Castro Nunes

Hadrianus

Oriundo do convento emeritense,
Adriano, o culto imperador romano,
admirador do povo ateniense,
ainda que do mundo soberano,

não teve pejo em se candidatar
sem qualquer privilégio, lado a lado
com seus rivais, visando conquistar
em livres eleições o arcontado.

Assim mostrou a sua preferência
pela cultura helénica, em que via
os benefícios da democracia.

Tinha no peito sobre o coração
uma pinta vermelha de zarcão
para matar-se em caso de emergência!

João de Castro Nunes

"Lição de tolerância"

(Ao Prof. Erik Trinkaus)

Dou-lhe toda a razão, sinceramente,
insigne Professor, pela censura
que faz ao mundo de hoje, intransigente,
de acordo com a sua conjectura.

Persista embora alguma discordância,
tudo faz crer que entre os Neandertais
e os nossos primitivos ancestrais
houve uma relativa tolerância.

Contrariamente a nós, civilizados,
onde o racismo ainda é uma praga,
eles nos dão lições… que não têm paga.

Tratando-se de ramos afastados
da espécie humana em franca divergência,
nada se opôs à sua convivência!

João de Castro Nunes

Feras àsolta!

Ainda que de boca amordaçada
a minha voz há-de fazer-se ouvir
sem nada haver que a cale, sem que nada
me impeça alguma vez de me exprimir!

Não é qualquer letrado cabotino,
por muito catedrático que seja,
que me encosta à parede por cretino
a vitória lhe dando de bandeja!

Atem-me embora as mãos, fechem-me a boca,
em vão conseguirão silenciar-me,
pois sempre lhes darei resposta em troca!

Só não suporto que, de mãos atadas,
tirem partido… para desancar-me
como é próprio das bestas despeitadas!

João de Castro Nunes

Tigelada e arroz-doce

Na capital é que Arganil se encontra
com seu pendor para a gastronomia,
como se verifica em qualquer montra
de restaurante, bar ou leitaria.

Talento, engenho ou coisa parecida
podem não possuir para mais nada,
mas lá para negócios de comida
ninguém lhes leva a palma na parada.

Quem não saboreou sua água-pé
e suas aguardentes de barril
a par da tigelada, não tem fé!

Com sua incomparável jeropiga
e arroz-doce, a gente de Arganil
Lisboa conquistou pela barriga!

João de Castro Nunes

The true lover

O verdadeiro amante é a criatura
que em pró do ser amado se desprende
da sua própria essência e contextura
como a cera da vela que se acende.

O verdadeiro amante é todo aquele
que se si próprio morre a cada instante
e à vida retornando veste a pele
do ser amado em mutação constante.

Quem ama é como o azeite depurado
que alimenta o pavio da candeia
e nele se consome e se incendeia.

Quem ama de verdade renuncia
á própria vida e por analogia
no ser amado vive incorporado!

João de Castro Nunes

Entre dois fogos

Por amor de ambos, tive o meu calvário,
o coração partido entre dois fogos,
qual deles mais tenaz e temerário,
perante os quais eu me desfiz em rogos.

Pedi ao nobre pai que me gerou,
em prol do soberano meu marido,
sobrinho que aliás ele criou,
se desse por culpado e arrependido.

Ao meu real esposo muito amado,
primo em primeiro grau, eu implorei
que desculpasse o agravo feito ao Rei.

Rogos inúteis, tudo foi baldado:
tomando cada qual sua bandeira,
terçaram armas em Alfarrobeira!

João de Castro Nunes

Ter paladar: eis a questão!

Era um prazer irmos os dois ao Minho
fazer as honras da gastronomia
daquela região do Santoinho
onde soberbamente se comia!

Desde Ponte de Lima ao Laboreiro,
passando pela Póvoa de Varzim,
mesmo sem se gastar muito dinheiro,
em parte alguma se comia assim!

Arroz de sarrabulho, de marisco,
arroz de cabidela, que petisco
de nunca mais a gente se esquecer!

Fazendo minha a tese de Aquilino,
direi não ter carácter genuíno
quem paladar dá mostras de não ter!

João de Castro Nunes

Lira celeste

Tenho uma lira que veio
directamente do céu:
foi um anjo que ma deu,
mandada pelo correio.

É de marfim, toda lisa
e das outras diferente:
tem uma corda somente,
porque de mais não precisa.

Só serve para eu poder
fazer chegar até ti
a dor do meu coração.

Conforme lhe prometi,
terei que lha devolver
levando-a no meu caixão!

João de Castro Nunes

Utopia

UtopiaSerá que o nunca existe ou tão-somente
é uma fracção de tempo ilimitada
difícil de medir, que a nossa mente
coloca numa utópica morada?!


Nuncase morre aí, pois na verdade
o nunca é o sempre visto pelo avesso:
são fórmulas da mesma eternidade,
sem princípio nem fim, termo ou começo.

Concitos são custosos de entender
e para os quais não há vocabulário
capaz de exactamente os transcrever.

Do unca a percepção, no meu juízo,
é pura flor do nosso imaginário
no que respeito diz ao paraíso!

João de Castro Nunes

"Por qué no te callas?"

Perante a descortês intervenção
do Presidente da Venezuela
na cimeira que teve ocasião
entre a Ibéria e os descendentes dela,

na capital do Chile, o Rei de Espanha
com “el tesón” que nunca lhe faltou
num misto de furor, despeito e sanha
que se calasse irado lhe ordenou.

D. Juan Carlos deste modo agindo,
além de se afirmar ante o seu povo,
a alma ganhou de um continente novo.

Foi um garboso gesto, um gesto lindo
que outro nenhum supremo dirigente
foi capaz de assumir… ali presente!

João de Castro Nunes

Távola Redonda

Vossos “entrecortados pensamentos”,
meu caro amigo Júlio brasileiro,
são trechos carregados de elementos
qual deles mais legal e altaneiro.

São poemas em prosa de conceitos
de altíssima craveira cultural,
subtis, originais, quase perfeitos,
no vosso estilo muito pessoal.

Não sei que mais dizer concretamente
a não ser porventura que gostava
que os lesse ou visitasse muita gente.

É que por esta forma constatava
que dado o vosso artúrico perfil
ainda há cavaleiros… no Brasil!

João de Castro Nunes

Firme recusa

(Camoneando)

Em cativeiro posto, acorrentado
de pés e mãos, sem ver a luz do dia,
em lôbrega e misérrima enxovia,
atormentado e mal alimentado,

se proposto me fosse ou alvitrado
que dada a liberdade me seria
a troco da verdade, em garantia,
sem vacilar… teria recusado.

Nada há que a pague, nada que a compense,
valendo a pena a vida até perder
para sem qualquer mácula a manter!

Ninguém por coisa alguma me convence,
a mal ou bem, carícias ou insulto,
à sórdida mentira a prestar culto!

João de Castro Nunes

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Homo

Apesar dos defeitos que possuo
na minha condição de ser humano,
no meu entendimento continuo,
Senhor, a crer que não te desengano.

Ainda que de barro depurado
seguramente me tivesses feito,
sabias muito bem que, do meu lado,
nunca eu seria, como Tu, perfeito.

De argila modelado, não de lodo,
posso dizer que fui, de qualquer modo,
a obra melhor saída dos teus dedos,

embora Tu soubesses, à partida,
que eu te defraudaria toda a vida,
pois para Ti, Senhor, não há segredos!

João de Castro Nunes

De volta a casa

Não foi de espada em punho e sujeição
à viva força, como os castelhanos,
que os portugueses, com o coração,
foram de meio mundo soberanos.

Hispânicos no berço e nas raízes,
mas desde logo os mais ocidentais,
pese à identidade das matrizes,
sempre nos mantivemos desiguais.

No contexto europeu que perfilhámos
de volta do Império que deixámos
entregue de bandeja aos seus destinos,

há que fazer ouvir a nossa voz,
pois apesar de sermos pequeninos
temos o génio de Camões por nós!

João de Castro Nunes

De volta a casa

Não foi de espada em punho e sujeição
à viva força, como os castelhanos,
que os portugueses, com o coração,
foram de meio mundo soberanos.

Hispânicos no berço e nas raízes,
mas desde logo os mais ocidentais,
pese à identidade das matrizes,
sempre nos mantivemos desiguais.

No contexto europeu que perfilhámos
de volta do Império que deixámos
entregue de bandeja aos seus destinos,

há que fazer ouvir a nossa voz,
pois apesar de sermos pequeninos
temos o génio de Camões por nós!

João de Castro Nunes

Vestir de azul e branco

De azul se veste a minha poesia,
azul da cor do céu e da turquesa,
a presuntiva cor da fidalguia,
o azul que é apanágio da nobreza.

Azul e branco como foi um dia
o campo da bandeira portuguesa
ou como a sacra veste de Maria,
a cujos pés a cristandade reza.

Se alguma vez meus versos se vestiram
de qualquer outra cor, foi por desvio
ocasional ou circunstancial

do meu temperamento natural,
tudo fazendo crer que traduziram
um mero ou episódico extravio!

João de Castro Nunes

Versos vermelhos

“Como pode conviver a tirania homicida
com a poesia?”

Dr. Joaquim de Montezuma de Carvalho

Não são azuis os versos que escreveram
Stalin e Mao na sua juventude,
vermelhos são de raiva por virtude
das contrariedades que sofreram.

Eivados de rancor, em dada altura,
deixaram de fazer versos aos astros
pensando só em colocar de rastros
toda e qualquer humana criatura.

Com o recurso ao envenenamento
a par da morte por fuzilamento,
fizeram perecer milhões de irmãos.

Vingando-se nos seus concidadãos,
arrancaram do peito a Poesia
incompatível com a tirania!

João de Castro Nunes

Versos à sovela

Fazer poesia à mestre-sapateiro
qualquer um faz, à força de martelo,
algo por vezes mais ou menos belo,
mas não poema a sério ou verdadeiro.

Este requer, antes do mais, talento
e vocação de inspiração divina,
como uma espécie ou género de sina
paredes meias com temperamento.

Há que saber ouvir, mesmo à distância,
a música dos astros e, por ela,
os versos afinar… em consonância.

Como se acaso fossem sinfonias,
deve o Poeta, em suas poesias,
deixar-se de compô-las à sovela!

João de Castro Nunes

A flor do encontro

Quando chegar a altura de eu morrer,
haja alegria à minha volta, pois
terá chegado o instante de nós dois
nos retornarmos finalmente a ver!

Não se vistam de preto ou de cinzento
nem façam uma cara compungida,
limitem-se em sinal de despedida
a formular um voto no momento:

que seja boa e rápida a viagem,
directa, sem desvios nem paragem,
para eu chegar depressa onde ela está!

Peço-vos só, como única excepção,
que me coloquem uma flor na mão
para eu lha oferecer ao chegar lá!

João de Castro Nunes

Uma beiroa no Minho

Que belo, meu amor, era no Minho,
nos arraiais dos santos padroeiros,
vejar a devoção do zé-povinho
diante das imagens dos santeiros!

Que lindo era também ver os andores
aos ombros de possantes mocetões
passar ornados de papéis de cores
em lentas e morosas procissões!

E que dizer dos arcos enfeitados
para neles passar Nosso Senhor
como se fossem pálios de brocados!

Sendo beiroa, pelas novidades,
tu deliravas mais do que eu, amor,
acostumado a tais festividades!

João de Castro Nunes

O santo do meu nome

Por se encontrar à venda ao desbarato
comprei um dia num antiquário
da praça de Lisboa, ao pé do Rato,
um S. João de pedra de calcário.

Tem todo o ar de peça quinhentista:
vestido com a pele de cordeiro
peculiar de S. João Baptista,
não é produto de vulgar canteiro.

Pelo seu porte escultural, solene,
de helénica e soberba anatomia,
atrevo-me a pensar em Chanterenne.

Seja qual for o artista de renome,
comprei-o, sem olhar ao que valia,
tão-só por ser o santo do meu nome!

João de Castro Nunes

Última carta aos meus filhos

Tenho-vos dado, meus filhos,
de acordo com vossa Mãe,
os conselhos que, por bem,
vos afastem de maus trilhos.

Sede tementes a Deus,
a virtude cultivai,
o vosso próximo amai
mesmo que sejam ateus!

Não queirais ser delatores,
nem mentalmente sequer,
pois não há coisas piores!

E, sobretudo, jamais
a quem dispõe do poder
o jogo nunca façais!

João de Castro Nunes

Heterogeneidade

Arrasto no meu sangue por herança
de inumeráveis povos europeus
em conjunção com mouros e judeus
um não sei quê de atávica lembrança.

Na minha condição de português
não tenho raça propriamente dita,
o que não constitui uma desdita
mas antes um motivo de altivez.

Ufano-me de ter de todos eles,
além do tom das respectivas peles,
resquícios dos seus genes e feições.

Se tal confere carta de nobreza,
tenho um lugar à parte entre as nações
por minha heterogénea natureza!

João de Castro Nunes

Nossa Senhora do Bébé-chorão

Á memória do Pe. Nunes Pereira
no centenário do seu nascimento.

Por Monsenhor Augusto Nunes P’reira
sobre papel à pena desenhada
tenho na minha sala, encaixilhada,
uma Nossa Senhora à minha beira.

Supõe-se ser a imagem verdadeira
da célebre Senhora venerada
em Arganil em época passada
e quase de certeza que a primeira.

Brotou-lhe da caneta para mim
expressamente desenhada assim
num surto de espontânea inspiração.

Por via do Menino que segura
passámos a chamar a essa escultura
Nossa Senhora do Bebé-chorão!

João de Castro Nunes

Bactéria azul

Vista do céu, a terra que habitamos
parece toda azul, da cor do mar
nos dias em que o ar que respiramos
límpido está, sem nada o macular.

Nasceu azul a vida, sabe-se hoje,
há biliões de séculos atrás,
essa divina cor que ora nos foge
ora em diversas outras se desfaz.

Bactéria azul: foi dela que partiu
a vida no universo, dando origem
ao ser humano… que a desiludiu.

Quando olho para trás, dá-me vertigem
pensar nas várias formas que tomou
até chegar ao bicho que hoje sou!

João de Castro Nunes

De pensamentos... vivo

Mangando com Alberto Caeiro,
o “guardador de rebanhos”

Eu nunca tenho fome, nunca tenho
necessidade alguma de comer,
bastando-me pensar para viver,
pois só de pensamentos me mantenho.

Pensar é tudo quanto necessito,
sem precisar de cousa mais nenhuma:
pensando… alcanço tudo o que é bonito
e até das ondas vejo a branca espuma.

Penso no sol e de calor me abraso;
na lua penso e enxergo ao meu redor
a palidez da sua luz sem cor.

O mal é quando penso num absinto,
numa aguardente, pois que nesse caso
não lhes tomo o sabor, porque o não sinto!

João de Castro Nunes

"Peine pour joie"

Que doce, amor! era viver contigo,
tão doce como a luz do teu olhar
ou como o toque do veludo antigo
que as tuas mãos gostavam de afagar!

Que doce é recordar a tua imagem,
afável, sorridente, muito pura,
tão pura como a tua linguagem
tanto nos termos como na estrutura!

Que doce é antegozar esse momento
em que de novo voltarei a ver-te
algures junto a Deus no firmamento!

Tão doce, amor! a nossa vida foi
que até a própria mágoa de perder-te
é como ferro em brasa… que não dói!

João de Castro Nunes

Inquestionável

Porque havias, Senhora! de morrer
abandonando a minha companhia
quando na tua face ainda se lia
uma vontade imensa de viver!

Porque havias, Senhora! de partir
e me deixar com vida aqui penando
sem nada mais querer que saber quando
nos poderemos outra vez unir!

Porque havia, Senhora! de tão cedo
levar-te para si o Criador,
indiferente acaso à minha dor!

Sem seus altos desígnios questionar,
não tenho mais, Senhora! que esperar
que chegue pronto o fim do meu degredo!

João de Castro Nunes

Neo-sebastianismo

Jovens de Portugal, do meu país,
“à beira-mar plantado”, à cabeceira
da Europa ocidental que foi matriz
ou, por outras palavras, pioneira

da pós-modernidade do humanismo,
traçai a vossa condição futura
acreditando no sebastianismo
como a superação da criatura!

Perdendo o medo seja do que for,
venha donde vier, da terra ou céu,
e tendo em vista apenas o Amor,

fazei como o Rei fez quando morreu
partindo para a luta à desfilada
com o dilema de que… tudo ou nada!

João de Castro Nunes

Neandertalóides

Ele há cada poema, santo Deus!
que é de a gente fugir a sete pés
sem para trás olhar, nem de través,
como ante um batalhão de filisteus!

São pavorosos pelo que respeita
ao tema, ao conteúdo, às intenções,
à falta de harmonia, aos palavrões,
às formas… em que nada se aproveita!

Há que presente ter que a Poesia,
a bem dizer, de modo algum se casa
com sentimentos vis de grosseria!

Com o disfarce de intelectuais,
ainda andam por aqui a arrastar a asa
sobreviventes… dos neandertais!

João de Castro Nunes

Subir à nascente

Para beber a água da nascente
há que subir pela montanha acima,
ou seja, caminhar contra a corrente,
pois a água, quando corre, vem de cima.

Só ela poderá dessedentar
os nossos lábios, faltos de frescura,
com sua natureza elementar
que a Criação na origem prefigura.

Ir ao começo é pressentir o fim:
é querer ver nas rosas do jardim
o rosto da semente original.

Trepar contra a corrente é quase igual
a armar o arco e desfechar a seta
em direcção a Deus… em linha recta!

João de Castro Nunes

"Não ligue!"

Ao Prof. Amadeu Carvalho Homem

Distinto Professor: não imagina
como gosto de ouvi-lo “pensar alto”
em linguagem quase sibilina
que o espírito me deixa em sobressalto!

Num misto de cinismo e de ironia,
mais desta que daquele, à moda grega,
encanta-me como uma sinfonia
o saibo a mel das expressões que emprega.

Nem sempre é fácil atingir, no fundo,
o sentido humorístico e profundo
do seu raciocínio especial.

Faz-me lembrar de Sócrates a forma
como se opondo a eles… afinal
no maior dos sofistas se transforma!

João de Castro Nunes

Pai Nosso

(Ode bíblica)

Questionando Cristo certo dia,
os seus lhe demandaram lhes dissesse
como devia ser a sua prece,
ao que lhes respondeu como cumpria.

- “Diz-nos, Rabi, qual é a melhor forma
de elevarmos ao céu nossa oração!”
- “É muito simples!” – disse-lhes então –
“Em todo o caso, dou-vos uma norma”:

“Pai nosso que no céu vos encontrais,
dai-nos o vosso reino antes do mais
e respeitado seja o vosso nome;

dai-nos o pão para matar a fome
e como nós ao próximo fazemos
perdoai também as faltas que nós temos!”.

João de Castro Nunes

Nascer de novo

Portugal está velho, anquilosado,
a precisar de urgente internamento,
onde tenha, aliás, bom tratamento
a que lhe dá direito o seu passado.

Altura é de pensar noutra edição,
mais actual, moderna, em consonância
com as outras nações, cuja distância
agravando se vai sem remissão.

Impõe-se pôr na rua os estadistas
que já não prestam, não passando já
de meros e reais malabaristas.

Venham novos Camões, novos Pessoas,
com novos horizontes, novos Coas,
abrindo a porta aos sonhos de amanhã!

João de Castro Nunes

Anjos na terra

Não estão todos no céu
os anjos que Deus criou,
pois alguns que ele entendeu
para a terra os enviou.

Sob a forma de mulher,
a preceito disfarçado,
coube-me a sorte de ter
um desses anjos… ao lado!

Fez-me longa companhia
até que Deus, certo dia,
o fez ao céu regressar.

Antes nunca Deus tivesse
pensado em mim, se era esse
o seu modo de pensar!

João de Castro Nunes

Nem sempre

Aos poucos vai-se o corpo degradando
do ser humano em cada ano que passa:
hoje um ouvido que se vai tapando,
uma vista amanhã que fica baça.

Não é preciso, para o constatar,
espelho algum, pois é mais que evidente
esta situação… peculiar
de toda a criatura, toda a gente.

Só que nem sempre a alma se degrada
de braço dado, ou seja, de mão dada
com nossa corporal decrepitude.

Há quem chegue à velhice com saúde
anímica e moral, à semelhança
do que se passa com qualquer criança!

João de Castro Nunes

O chapeuzinho dela

Tenho guardado o chapéuzinho dela,
de palha, de aba larga, que trazia
quando com seus irmãos se divertia,
ficando sob o carro que a atropela.

Sem lhe prestar socorro, o condutor
fugiu desconcertado… em altos gritos
enquanto os seus pequenos irmãozitos
não sabem que fazer, cheios de horror.

Tinha nove anos, uma mulherzinha,
bonita, muito fina, encantadora,
a quem chamavam todos… Mariinha.

Guardado tenho o seu chapéu de palha
como se acaso fosse uma mortalha
que me acompanha… pela vida fora!

João de Castro Nunes

O mar em mim

Eu tenho o mar em mim, nas minhas veias,,
o mar dos oceanos estelares,
o mar salgado, o mar das odisseias,
o mar dos galeões peninsulares.

Escuto em mim o canto das sereias
sem precisar de usar auriculares
e nas artérias sinto as melopeias
das suas seduções tentaculares.

Sou como um búzio, em cujo interior,
posto ao ouvido, soa o estridor
das vagas sobre a areia rebentando.

Cada porção de mim, desde a raiz,
do mar constantemente está falando
como a razão de ser do meu país!

João de Castro Nunes

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Recíprocas mensagens

No céu, por trás do mundo das estrelas,
a milhões de anos-luz, provavelmente,
onde se chega apenas pela mente,
que é mais veloz que o movimento delas,

toca um violino sobrenatural,
um “stradivárius” de alta qualidade,
que apenas eu possuo a faculdade
de ouvir por um motivo especial.

É a tua voz, amor, que Deus permite
que chegue aos meus ouvidos, em surdina,
porque para o amor… não há limite.

Em reciprocidade eu te respondo
com minha poesia genuína
que para ti na terra vou compondo!

João de Castro Nunes

Coerência

(Para o meu Neto João Carlos)

Porque de perto sempre acompanhei
tua ascensão na vida, estou seguro
de que vais ter um singular futuro
como, no berço ainda, te augurei!

Para isso tens, inquestionavelmente,
todos os requisitos necessários,
além de mais alguns, extraordinários,
os quais na vista dão de toda a gente.

És sério, honesto, muito bem formado,
bom filho e bom irmão, de trato urbano
com todas as pessoas, muito humano.

De tantas qualidades exornado,
feliz daquela que, gentil e são,
a ti se ligue… pelo coração!

João de Castro Nunes

Poesia e musicalidade

A minha poesia não são versos,
que qualquer um capaz é de escrever,
linhas atrás de linhas… a dizer
os sentimentos de alma mais diversos.

Ainda que em palavras redigida
selectas, escolhidas, expurgadas,
a minha poesia é construída
como as sonatas mais qualificadas.

Componho-a ao som da lira virtual
como o Orfeu da lenda, cujo mal
em primorosos cantos traduzia.

Assim seja também, mas actual,
perfeita de sentido e de harmonia
a minha musicada… poesia!

João de Castro Nunes

Rainha Santa

Filha de Reis do trono de Aragão,
a majestade tinha de Rainha,
dando vontade de beijar-lhe a mão
e mesmo o chão por onde ela caminha.

De uma beleza austera era o seu rosto,
como se verifica em seu retrato,
e para além de se vestir com gosto
era pessoa do mais fino trato.

Iluminava-lhe as feições um ar
de uma certa doçura, se calhar
nas águas mansas do Mondego haurida.

Muitíssimo esmoler, tinha o condão
de em frescas rosas transformar o pão
que aos pobres dava sem qualquer medida!

João de Castro Nunes

Intemporalidade

O Tempo que nos ronda e nos corrói,
embora seja cego, surdo e mudo,
por onde vai passando só destrói
e com seus dentes vai comendo tudo.

Morrem os homens, secam-se os arbustos,
as flores naturais murcham nas jarras,
a tudo o mais estende o Tempo as garras
sem mesmo dos heróis poupar os bustos!

Brasões, palácios, torres e solares,
cruzes de Cristo, esferas armilares…
não são mais que farrapos de memória!

Só o Amor o Tempo não devora:
ainda hoje Inês o mundo comemora
como o padrão maior de toda a história!

João de Castro Nunes

Servir... por amor

Filho de Isac e neto de Abraão,
o condutor dos povos de Israel,
Jacob para casar-se com Raquel
sete anos de pastor serviu Labão.

Este, porém, mudando de tenção,
escusou-se a honrar o seu papel,
passando a impor ao seu pastor fiel
outros sete anos como condição.

Assim disse Camões, melhor do que eu,
de modo genial, nunca excedido,
como aliás foi tudo que escreveu.

Se tal comigo, amor, acontecesse,
posso jurar-te, digo-o convencido,
que serviria… até que falecesse!

João de Castro Nunes

Judeus de Portugal

À memória do Prof. Joaquim de Carvalho

Judeus de Portugal… são diferentes
dos restantes judeus do mundo inteiro:
estatura meã, condescendentes,
eis parte do retrato verdadeiro!

Fazendo de Espinosa um bom padrão,
cabelos pretos e feições morenas,
são-lhes comuns, em termos de expressão,
as maneiras contidas e serenas.

Modestos no viver e no trajar
são hábitos que sempre mantiveram
mesmo depois de terem de emigrar.

No seio das nações, regra geral,
pelo seu humanismo se impuseram
ou não fossem… judeus de Portugal!

João de Castro Nunes

Camões

Quando procuro acaso vislumbrar
tuas feições, teu porte, o teu retrato,
não te consigo nunca imaginar
vestido de chapéu, lacinho e fato.

Tristonho, acabrunhado, reduzido
à condição de mero escriturário,
não te concebo inscrito num partido
ou candidato a um posto de bancário.

Em ti encarno, em termos de figura,
o Portugal do sonho e da aventura
com uma mão na pena outra na espada.

Vejo-te altivo, mesmo na desgraça,
brindando à vida pela mesma taça
por deuses e por ninfas empunhada!

João de Castro Nunes

Ordem da Garroteia

Nas suas tumbas da mais fina lavra
a par do mausoléu do Fundador
mais que qualquer vocábulo ou palavra
fala o cinzel do gótico escultor.

Percorre a pedra em letra regular
de cada Infante o lema respectivo,
a divisa adoptada e a observar
em toda a circunstância enquanto vivo:

tenções honestas, nobres sentimentos,
folguedos sãos, leais procedimentos
que sua santa Mãe lhes pôs na ideia.

Com seus brasões de príncipes reais
e suas diferenças pessoais
avulta ao centro em foco a Garroteia!

João de Castro Nunes

"Homens, porque é que nos criastes?"

(Antero de Quental)

Será um tigre acaso mais perfeito
ou qualquer outro idêntico animal,
um jaguar, uma onça desleal,
que o ser humano sob algum conceito?

Creio que não, no meu entendimento,
incluindo as águias, os pavões reais
e toda a casta de outros animais
notáveis pelo seu deslumbramento.

Com seu talento para imaginar,
somente o homem foi capaz de dar
à própria divindade que o criou

os traços fisionómicos do rosto
idênticos ao seu, conforme eu sou,
seja o retrato autêntico ou suposto!

João de Castro Nunes

Elegia da saudade

Sabe alguém qual o caminho
que leva às terras de além,
onde mora num cantinho
aquela que me quis bem?

Dava para lá chegar
da minha vida metade,
pois que a outra, de chorar,
de me sobrar pouco há-de.

Dizei-me vós, se sabeis,
astros do céu, qual a estrada
que leva à sua morada!

Se acaso não mo dizeis,
por mim sozinho hei-de achá-la
nem que tenha de inventá-la!

João de Castro Nunes

Em tudo estás presente

Em tudo, amor, te vejo em cada rua,
em cada pedra sobre a qual passaste,
em cada montra face à qual paraste,
lá se mantendo ainda a imagem tua!

Perdura ainda do teu corpo o cheiro
a pétalas de rosa e de jasmim
que sempre cultivaste no jardim
do nosso lar, que permanece inteiro.

Tudo de ti me fala quando passo
por cada sítio, por qualquer espaço
por onde de mãos dadas divagámos!

Lembas-te, amor, de quando visitámos
as ruas de Paris, em tempos idos,
como dois namorados… aturdidos?!

João de Castro Nunes

Filigrana literária

Este pequeno trecho do escritor
Russell Edson, em minha opinião,
é uma jóia autêntica, um primor
de poesia em prosa, como são

as suas obras de imaginação
que visam surpreender qualquer leitor
pela sua estilística expressão
eivada sempre do mais fino humor.

Se duas simples folhas nos permitem
pensar na árvore inteira à nossa frente,
de idêntica maneira nos transmitem,

vendo-as no chão, a ideia de se estar,
por especulação da nossa mente,
no outono… que está longe de chegar!

João de Castro Nunes

Libertação

Quando a ti me dirijo eu gostaria
de não ter corpo, ser apenas alma,
a fim de conversar com toda a calma
em comunhão contigo e analogia!

Já que desta maneira me criaste,
ajuda-me, Senhor! a superar
o corpo que terei de suportar
durante o tempo que determinaste!

Será incomparável o momento
em que por fim, em plano de igualdade,
os dois conversaremos à vontade!

Permite que entretanto me liberte,
quanto possível, deste sentimento
de me encontrar sujeito a um peso inerte!

João de Castro Nunes

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Folhas secas

Aquela folha que no chão tombou
numa tarde outonal ao pé de mim
a descansar num banco de jardim
´ é desde logo a imagem do que sou.

Sem que nada interfira em sua queda.
aragem, vento ou simples abanão,
as folhas só por si tombam no chão
dizendo adeus aos troncos da alameda.

Assim do ser humano a vida passa
e pronto se desfaz como fumaça
a transformar-se em nuvem passageira.

Quando cair as folhas secas vejo,
logo me vem à mente quão ligeira
é a vida… tão fugaz como um desejo!

João de Castro Nunes

Fim de um sonho!

Entre os Vencidos da Vida,
A par de Guerra Junqueiro,
figura, logo à partida,
o Rei D. Carlos Primeiro.

Comunga dos ideais
dos seus colegas de mesa
que, sendo intelectuais,
prestam culto à natureza.

Tendo em mente o seu país,
desejam todos, por certo,
uma nação mais feliz.

Um tiro, à vista da grei,
disparado em carro aberto,
pôs termo ao sonho do Rei!

João de Castro Nunes

O bandeirante gandarês

“Hony soit qui mal y pense”

Pedro Teixeira, um gandarês de raça,
um bairradino sem tirar nem pôr,
pelo sertão entrando sem temor
às verdes esmeraldas foi à caça.

Ao bravo bandeirante lusitano
nada lhe causa medo ou intimida
mesmo que tenha de arriscar a vida
no brasileiro solo americano.

As terras da Amazónia desbravando,
de espada em punho, os índios enfrentando,
as costas do Pacífico atingiu.

E digam lá se existe herói maior
que o intrépido e audaz capitão-mor
que a nação brasileira “descobriu”!

João de Castro Nunes

O feminino bálsamo

Na vida de Jesus de Nazaré
não há memória de qualquer mulher
incriminar ou denegrir sequer
o Filho de Maria e de José.

Foi sempre o elemento masculino
que o atacou impiedosamente
e fez questão de aliás estar presente
nas cruéis decisões do seu destino.

Quanto às mulheres desde Madalena,
fosse pelo que fosse, amor ou pena,
sempre estiveram todas do seu lado.

Assim tinha de ser; caso contrário,
no momento supremo do calvário,
expiraria… desumanizado!

João de Castro Nunes

Teu nome

Como um selo indelével entalhei
teu nome para sempre no meu peito
gravado com cinzel de ouro de lei
em letras capitais de grande efeito.

Gravei teu nome em tudo que encontrei
no meu caminho, a torto e a direito,
gravei-o em todo o sítio onde passei
correctamente sem nenhum defeito.

Está teu nome em todas as estradas,
nas árvores dos bosques decoradas
com setas trespassando um coração.

Até nos astros o gravei, amor,
onde em noites de límpida visão
o reconheço pelo seu fulgor!

João de Castro Nunes

"Relâmpagos de jóias"

Os poemas detesto intermináveis
como a légua da Póvoa, repetindo
as mesmas frases sempre, intoleráveis,
nada dizendo e menos sugerindo!

Como as rosas de outono, sejam breves,
logo se desfolhando ao ser tocadas,
sejam vibrantes, vaporosos, leves,
de pouca dura como as madrugadas!

Como um riscar de fósforo, se apaguem,
deixando atrás de si raios de luz
que de esplendor fugaz nos embriaguem!

Não posso com poemas de oficina
que a imagens e vocábulos reduz
uma arte que a elevar-nos se destina!

João de Castro Nunes

Sonhar Brasis

Como pão para a boca é necessário
sonhar em grande, sem limitações,
ser-se arrojado, ser-se perdulário
no que respeita às nossas ambições.

Em toda a parte há Índias por achar,
continentes sem fim por descobrir,
até ao pé da porta, se calhar,
há minas de esmeraldas… a luzir.

O que interessa é ter-se uma alma grande
que nos inspire e, se preciso for,
nos puxe para o alto e nos comande.

Sem mais do que essa força interior
cada um pode encontrar o seu Brasil
na Pampilhosa, em Góis ou Arganil!

João de Castro Nunes

Súplica

Senhor! traz-ma de volta, nem que seja
por um breve segundo unicamente,
traz-ma de volta para que eu a veja
uma vez mais sorrindo à minha frente!

Seu jeito de sorrir era tão doce,
tão perfumado, tão tranquilizante,
que todo o achaque, por maior que fosse,
nele encontrava um natural calmante.

Traz-ma de novo com o seu sorriso
e eu Te garanto que, se for preciso,
me faço santo por amor de Ti.

Traz-ma de volta, como Te pedi,
e leva-me depois de eu conseguir
vê-la outra vez ao pé de mim sorrir!

João de Castro Nunes

Subtilezas da opulência

A dama que baixou da carruagem
a fim de dar ao pobre a sua esmola
deitando-lhe uns dinheiros na sacola
deu de si própria uma bonita imagem.

Para o fazer mostrou certa coragem
dado ostentar uma vistosa estola
de grande preço, além de fina gola
a realçar o corte da roupagem.

Quem perante a miséria e a pobreza
não sofre de uma espécie de baixeza
pela parte de culpa… que se tem?

Quando subiu de novo para o trem,
quem sabe, no que à dama diz respeito,
que estado de alma lhe invadia o peito!

João de Castro Nune!

Presunção

Quando um dia eu morrer, talvez ninguém
chore por mim nem faça caso algum
de ser apenas e tão-só mais um
que deixa a terra e vai para o além.

Assim tem sucedido a muita gente
que vale mais do que eu, talentos raros,
não me cabendo pois fazer reparos
nem ter esse factor por surpreendente.

Não deixará de fazer sol por isso
nem de chover ou de soprar o vento,
nem coisa alguma levará sumiço.

Só tenho pena que nenhuma estrela
no céu se apague, como luz de vela,
a fim de assinalar… esse momento!

João de Castro Nunes

Suave engano

Todos os dias vens dar-me os bons dias,
alma minha gentil, ao despertar,
vendo o teu rosto nas fotografias
que em toda a parte estão do nosso lar!

Chegando a noite, às horas de deitar,
despedes-te de mim, como fazias,
a desejar-me um sono regular
após rezarmos três ave-marias!

Embora seja o céu tua morada
presentemente, desde há vários anos,
sem convivência alguma autorizada,

parece que não sinto a tua ausência,
alimentando o coração de enganos
ao ver-te ainda aqui na residência!

João de Castro Nunes

O meu herói

Com a sua armadura o Rei-menino,
órfão de pai ainda antes de nascido,
foi sempre para mim o figurino
do herói que eu gostaria de ter sido.

Criado pela Avó de pequenino
na convicção de que era o escolhido
para de Cristo ser o paladino,
encheu-lhe a vida um sonho desmedido.

Que belo foi tombar daquele jeito
de armas na mão e Portugal no peito
morrendo, sim senhor, mas devagar!

Por isso, morto, um dia há-de voltar
para o moral erguer deste país
que até tem tudo para ser feliz!

João de Castro Nunes

Stradivárius

Quando componho as minhas poesias
de tom, de forma e conteúdo exactas,
é como se escrevesse sinfonias
ou textos destinados a sonatas.

Sem termos empregar extraordinários,
em linguagem simples e banal,
tomo por base o som dos stradivárius
de inconfundível toque musical.

Conforme o tema, assim também varia
o respectivo ritmo, reservando
para o amor a máxima harmonia.

De todos os poemas que escrevi
foi nesses que, compostos para ti,
me fui de verso em verso superando!

João de Castro Nunes

Redenção

Deus quando o ser humano modelou
no pó da terra à sua semelhança
o presumido barro que empregou
era da sua inteira confiança.

Não precisou por isso de lavar
as suas santas mãos finda a escultura,
pois a matéria-prima basilar
era de fina argila, da mais pura.

Se em liberdade, entregue à sua sorte,
posteriormente o Homem poluiu
o barro de que Deus o construiu,

a culpa foi só dele, é toda nossa,
que transformados em poeira grossa
tão-só nos resta a redenção da Morte!

João de Castro Nunes

Subtilidades

(Max Stirner)

Há tempos disse um magno pensador
que para se fazer uma viagem,
seja para onde ou de que modo for,
tem rigorosamente mais vantagem

levar uma mão cheia de poder
do que uma mala cheia de verdades,
o que está longe de me surpreender
dadas as suas… singularidades.

Com o poder na mão somos uns reis
perante os quais o povo se descobre
mesmo os sabendo uns déspotas cruéis.

Quanto às verdades… temos conversado:
sendo-se fraco, desvalido ou pobre,
com elas não se chega a nenhum lado!

João de Castro Nunes

Painéis: sozinho em campo!

Que pena tenho, francamente o digo,
que os intelectuais da nossa praça
não se disponham a lidar comigo
dando um assomo ou ar da sua graça!

Ninguém levanta a luva arremessada
e em prosa ou verso, à escolha do freguês,
me enfrenta, de viseira levantada,
singularmente ou três de cada vez.

Será por medo, cobardia ou falta
de inteligência, de cultura ou gosto
de se esquivar às palmas da ribalta?

Seja lá por que seja, o certo é que eu,
por mim, não me recuso a dar o rosto
seja a quem for, palonço ou corifeu!

João de Castro Nunes

Recíprocas finezas

Calou-se em nossa casa, ó meu amor,
a tua doce voz e, desde então,
no seu desconsolado interior
reina uma dolorosa solidão!

Sentados à camilha, frente a frente,
as mãos nas mãos, deixámos de dizer
de parte a parte, alternativamente,
palavras que não são para esquecer.

Elogiava-te eu… pela ternura
da tua meiga forma de sorrir
e tua face cheia de candura.

Tu… me dizias vezes sem contar
que nunca houve mulher nem há-de vir
que tanto alguém fosse capaz de amar!

João de Castro Nunes

Sósias

O Rei-criança D. Sebastião,
ao mesmo tempo heróico e enfermiço,
há-de ser sempre, quer se queira ou não,
o símbolo da pátria mais castiço.

Nunca se soube bem por que razão,
se foi por mero acaso ou por feitiço,
que sendo a esperança da nação
em Alcácer-Quibir levou sumiço.

Há-de voltar, porém, segundo o mito
pelos poetas reduzido a escrito,
para tirar da lama este país.


Para que o povo torne a ser feliz,
terá que ser o próprio, o verdadeiro,
não qualquer sósia, ou seja, um embusteiro!

João de Castro Nujes

Padrão de referência

(Sotaque goiense)

Com este nome ou outro, não importa,
Deus que tudo conhece e tudo pode
e do capote seu nada sacode
nem a pessoa alguma fecha a porta,

dá-se ao luxo, negado ao ser humano,
de sem qualquer espécie de excepção
falar todas as línguas em função
do seu poder augusto e soberano.

Entre elas fala a língua portuguesa
em toda a sua máxima pureza
à maneira de Góis e vizinhança.

Desde, porém, que à sua mão direita
minha mulher sentou, por semelhança
sua pronúncia ainda é mais perfeita!

João de Castro Nunes

Rebeca de Nahor

(Ode judaica)

A bíblica Rebeca de Nahor,
nas margens do Eufrates, na Caldeia,
foi à tardinha, antes de o sol se pôr,
ao poço buscar água para a ceia.

Lá se encontrava, à espera, de antemão,
com seus camelos a morrer de sede,
o mais fiel dos servos de Abrahão
com a missão de ver o que sucede:

- “Para meu filho Isac, traz-me aquela
que, pertencendo à minha parentela,
te der água a beber da sua bilha”.

Bebeu o servo com os seus camelos
e assim teve Abrahão mais uma filha
que o cumulou, em velho, de desvelos!

João de Castro Nunes

O ramo de açucena

(Ode antoniana)

Cansado de passar o dia inteiro
ao pé da sua Mãe Virgem Maria,
Jesus abandonou-a, sorrateiro,
e procurou na terra companhia.

Estando Santo António no convento
a ler na sua cela o breviário,
Jesus aproveitou esse momento
em que ele se encontrava solitário.

Tornando-se de novo menininho,
sentou-se sobre a capa do missal
e afagou-lhe o rosto com carinho.

Quando se despediu, cheio de pena,
deixou ficar, de origem natural,
nas mãos do Santo um ramo de açucena!

João de Castro Nunes

Sortilégio luso-nipónico

Em som de paz, nas asas da aventura,
um dia os portugueses arribaram
às costas do Japão, cuja cultura
em muito breve tempo assimilaram.

A vez primeira foi que os japoneses
das terras europeias viram gente
à qual chamaram “bárbaros” corteses
por se portar civilizadamente.

Alguns tanto gostaram do Japão
que por motivações do coração
não regressaram mais a Portugal,

não faltando razões, na actualidade.
para de parte a parte, por igual,
os laços reforçarmos da Amizade!

João de Castro Nunes

Sorriso partilhado

(Sob a inspiração de Zêuxis)

Sorriso assim não creio que existisse
no original, ou seja, no modelo;
nunca se viu ninguém que assim sorrisse,
sinceramente há que reconhecê-lo.

Em rosto algum de uma única mulher,
seja quem seja a dama da pintura,
se viu sorriso idêntico sequer
ao da famigerada criatura.

Para a obra final que tinha em mente,
terá seleccionado o seu autor
de cada florentina… um pormenor.

E terá sido assim, no meu juízo,
que veio à luz do dia esse sorriso
numa única mulher… inexistente!

João de Castro Nunes

Soror Filipa

(Urgel e Avis)

Dos teus irmãos que em cortes estrangeiras
cingiram diademas por efeito
de régios casamentos com herdeiras
de tronos confirmados por direito,

terias sido tu, filha discreta
da condessa de Urgel e do Regente,
a mais feliz na tua roupa preta
de freira de Odivelas tão-somente.

Por tua Mãe, princesa de Aragão
e presuntiva herdeira do seu trono
tinhas de Alteza o trato e a razão.

Mas preferiste, até provecta idade,
tendo só Deus por soberano e dono,
viver rezando em tua intimidade!

João de Castro Nunes

Sonhar a dois

O sonho que sonhámos não morreu
mesmo depois que nós nos separámos,
pois a sonhar os dois continuamos,
eu cá na terra e tu aí no céu.

Para sonhar a dois não é preciso
haver qualquer contacto corporal
ou simples frente a frente visual
como será no dia de juízo.

Basta que nossas almas à distância
se atraiam, se procurem mutuamente
e se amem sem o corpo estar presente.

Sobre isto não existe discrepância:
a ausência corporal não é razão
para o sonho morrer no coração.

João de Castro Nunes

Sonhar até mais não

Sonhar, sonhar, sonhar sempre mais alto,
mais alto ainda do que a torre Eifel,
viver em alvoroço e sobressalto,
passando os sonhos todos ao papel!

Deles fazer o corpo dos poemas
que inspirados nos saem das entranhas,
rivais das mais acrisoladas gemas
que se ocultam no seio das montanhas!

Sonhar até mais não! até que a morte
nos feche os olhos, nos apague a mente,
e para lá dos astros nos transporte!

E mesmo ali, continuar sonhando
aos pés de Deus ininterruptamente
e não de longe em longe ou quando em quando!

João de Castro Nunes

domingo, 22 de janeiro de 2012

Radiografia

(Ode torguiana)

Quando analiso a sua poesia
a sangue frio, literariamente,
vejo, como de resto toda a gente,
que era no génio que ela consistia.

De original tem pouco no que toca
ao seu vocabulário, elementar,
à construção da frase, que é vulgar,
aos temas e conceitos que ela foca.

No que respeita ao sobrenatural
nota-se a sua ausência desde logo
como um aspecto ou traço essencial.

Contudo os seus poemas como são
possuem força e queimam como fogo
por obra de divina inspiração!

João de Castro Nunes

Sonetos por jóias

São jóias os sonetos que te faço,
ó meu amor, com gemas de alto preço
que entre si junto e atentamente meço
uma por uma, à régua e a compasso.

Esmeraldas combino com turquesas,
topázios com rubis e ametistas
sem defeitos nenhuns ou impurezas
como se vê na capa das revistas.

Para alcançar, em cada criação,
a máxima beleza e harmonia
inspiro-me na tua perfeição.

Por isso os meus sonetos que te escrevo
diariamente com supremo enlevo
são obras-primas de joalharia!

João de Castro Nunes

Sonetos meus

Sonetos mais perfeitos do que os meus
em parte alguma os há; são burilados
ao som dos violinos afinados
pelas estrelas a girar nos céus.

Não temo o seu confronto com quaisquer
poetas de maior notoriedade
quer na harmonia quer na qualidade
face à maneira minha de dizer.

São vários os motivos e sentidos,
mas sem dúvida alguma os preferidos
são desde logo os temas do lirismo.

Confesso que, apesar de naturais,
quase espontâneos, fáceis e banais,
um laivo há neles de preciosismo!


João de Castro Nunes

Eterno soneto

Sonetos é comigo, variados,
sem falhas de cadência e de sentido,
harmoniosamente acomodados
a todo e qualquer género de ouvido.

De Petrarca a Bocage e a Camões,
que tenho por modelos, vou tentando
ir mais além do que eles nas versões
que me permito dar de quando em quando.

Cada palavra está no seu lugar
a preceito escolhida por maneira
a nada nos meus versos destoar.

Além do amor, meu preferido tema,
tudo o que tem valor sobremaneira
em meus sonetos cabe por sistema!

João de Castro Nunes

Sonata a horas mortas

Gemem tristes na noite os violinos
e simultaneamente aos meus ouvidos
suaves chegam lentos, sibilinos,
acordes de piano em sustenidos.
Choram violoncelos noite fora
em música de câmara orquestrada,
dolentemente, até à luz da aurora,
só se calando com a madrugada.

Vibram as liras com um som plangente
nas mãos de Orfeu as feras amansando
e as pedras dos caminhos comovendo.

Soam dentro de mim, na minha mente,
nostálgicas sonatas… desde quando
me estou a preparar para ir morrendo!

João de Castro Nunes

O menino do Lapedo

(Ode solutrense)

Ao Prof. João Zilhão

Numa bela manhã de primavera
numa caverna escura como breu
algo de nunca visto aconteceu
e que somente agora se soubera.

A fim de se abrigarem da friagem
insuportável que fazia fora
um neandertal entrando se enamora
de ignota e feminina personagem.

Era uma sapiens que se extraviara
do respectivo bando e que entretanto
naquela mesma gruta se acoitara.

Meses depois, para geral espanto,
desse fortuito encontro resultou
o estranho ser que há pouco se topou!

João de Castro Nunes

Raízes e matrizes

(Ode torguiana)

Não pertences aqui: tu és Marão,
o grande mar telúrico do Douro,
imponente, agressivo como um touro
arremetendo contra a solidão.

Depois foste Alentejo, esse outro mar
de baixa ondulação que te inspirou
e a mente para longe te arrastou
em sonhos de outros reinos por achar.

A Beira para ti nunca existiu
senão como o lugar onde ganhaste
o necessário pão que te nutriu.

As montanhas do centro, onde caçaste,
o Colcurinho, a Estrela ou a Gardunha,
contigo nunca foram carne e unha!

João de Castro Nunes

Sombras do Marão

Ó Poeta das sombras do Marão,
em cujas neves me curti também,
gelados ventos mesmo no verão,
o drama teu… conheço muito bem.

Foi lá que de rapaz me habituei
a falar com os deuses da montanha,
antigas divindades, cuja lei
gravada está no fundo das entranhas.

Tudo eram sombras por aqueles lados
de míticas lembranças, que ascendiam
aos castros pelos celtas povoados.

Poeta do Marão! todos sabiam
que eras um druída, um género de frade
do lusitano culto da Saudade!

João de Castro Nunes

Solidariedade

Liras e harpas, cítaras, tocade
sob os meus dedos como aconteceu
quando sob o efeito da saudade
voz fez vibrar o destroçado Orfeu!

Acompanhade a minha imensa dor
plangentemente como quando o vate
perdeu a sua Eurídice ao transpor
a porta de marfim do seu resgate!

Que ao som do vosso toque, percutidas,
ninguém fique insensível à paixão
que me comove e abrasa o coração!

Que as feras e as pedras dos caminhos
e as aves de rapina nos seus ninhos
ouvindo-vos se mostrem compungidas!

João de Castro Nunes

Sofrer por dentro

Com a tua partida para o céu
meu coração, amor, parece morto
tal é a sensação de desconforto
que desde esse momento o envolveu.

Passou dentro de mim a existir
um tremendo vazio, um sentimento
de enorme e permanente desalento
que me vejo incapaz de reprimir.

Só me resta sofrer comigo a sós,
silenciosamente, pois ninguém
pode entender a minha dor atroz.

Estou morrendo aos poucos, devagar,
até que chegue a altura, amor, meu bem,
de a ti, no céu, de novo me juntar!

João de Castro Nunes

"Solemnia verba"

A morte é o caminho das estrelas
que são de Deus a clara residência,
é a porta aberta para o reino delas,
o sítio da nossa última existência.

Não há, pois, que temer a sua vinda,
antes pelo contrário deve ser,
quando Deus der nossa missão por finda,
saudada com o máximo prazer.

Espero ser-me concedida a graça,
como à minha mulher aconteceu,
de sem dar conta me encontrar no céu.

Por isso de bom grado empunho a taça
para brindar à morte, em cada dia,
pela sua almejada companhia!

João de Castro Nunes

Sobre Camões

Hoje sobre Camões ouvi falar
entusiasticamente na cidade
em que o Poeta, em sua mocidade,
deve ter estudado, a bem pensar.

Foi na Minerva, em cultural sessão,
em que Regina Rocha dissertou
e a todos os presentes encantou
com seu calor humano e erudição.

Foi um passeio pelas avenidas
do poema maior que se escreveu
a respeito de um povo, creio eu.

Pode nele rever-se a humanidade
por nele se espelharem, refundidas,
as obras-primas da latinidade!

João de Castro Nunes

Despojado

Quando chegou a sua ocasião
de morto ser levado a sepultar,
João Paulo Segundo quis ficar
sob terra sem qualquer ostentação.

Não quis nenhum marmóreo mausoléu
com pontifícios títulos gravado,
pois sempre fez tenção de despojado
perante Deus se apresentar no céu.

Como fizera com a sua mãe,
em cuja pedra apenas mandou pôr
EM PAZ DESCANSE, sem qualquer lavor,

determinou que sobre a sua lousa
pusessem só, de forma a ler-se bem,
JOÃO PAULO II AQUI REPOUSA.

João de Castro Nunes

Nuvens de tristeza

Hoje, não sei porquê, sinto-me triste!
tudo é sombrio e opaco à minha volta,
sinto dentro de mim certa revolta
que não sei bem dizer em que consiste!

É como um desconforto, um mal-estar
que não sei definir exactamente,
uma vontade imensa de deitar
as culpas deste estado a toda a gente.

Sinto-me triste, umbroso, inconsolável,
incapaz de achar graça a coisa alguma,
envolto num espesso véu de bruma.

Porque será?... talvez o mais provável,
ó meu amor, será a tua ausência
que me roubou o gosto da existência!

João de Castro Nunes

Irreparável dano

De cada vez que um filho me nascia
mais uma rosa em meu jardim brotava,
o coração me enchendo de alegria
que pela casa toda se espalhava!

Por oito vezes isso sucedeu,
por tantas outras uma nova estrela
no céu subitamente se acendeu,
parando toda a gente para vê-la.

Certo dia, porém, por um azar
da natureza humana exacerbado
por inaudita reacção sem par,

a primeira das rosas se exauriu
e simultaneamente, por seu lado,
no firmamento um astro se extinguiu!

João de Castro Nunes

Sinfonia sideral

Os astros, Einstein, quando tu nasceste,
romperam numa augusta sinfonia
que ressoou na abóbada celeste
com sobrenatural categoria.

Sob a batuta pessoal de Deus,
para escutá-la, deve ter parado
todo o universo, incluindo os fariseus
que se escusaram a embalar teu berço.

Estava escrito nos anais do céu
que Deus te iria dar o privilégio
de ver como é que tudo aconteceu

na condição, porém, de em tua mente
o segredo guardares piamente
sob pena de incorrer em sacrilégio!

João de Castro Nunes

Sinceridade

Nem toda a gente tem capacidade
para entender a alma dos poetas,
como nem todos têm a faculdade
de interpretar a fala dos profetas.

Tudo é questão de sensibilidade
e sobretudo de intenções correctas
na presunção de ser a divindade
que inspira o vate em transmissões directas.

Que o digam Dante, Milton e Antero,
Luís Vaz de Camões e Pascoais
e tantos outros vates imortais.

Eu próprio o digo, para ser sincero,
sem me considerar, de qualquer modo,
mais que barro da terra, vaza e lodo!

João de Castro Nunes

Sinal de ti

Já não há brasas na lareira antiga,
as salas estão só a meia luz,
nada me apraz e nada me seduz,
já não tem nada a vida que me diga!

De quando em vez assomo-me à janela
e olhando para o céu com amargura
eu tento divisar tua figura
em qualquer nuvem, em qualquer estrela.

Que desespero o meu por só poder
ouvir a tua voz, ver teu sorriso,
quando chegar o dia do Juízo!

Até lá, meu amor, na escuridão
que se apossou da nossa habitação,
dá-me um sinal de ti… se puder ser!

João de Castro Nunes

Simbologias

O símbolo é a forma de expressão
do que não é palpável ou carece
de termo apropriado ou locução
para expressar o que se desconhece.

Por convenção, situa-se à direita
auguralmente o que nos traz a sorte,
enquanto que à esquerda nos espreita
a ave agoirenta que prediz a morte.

Perderam-se e ganharam-se combates
com base em tais conceitos que em verdade
nada mais são que puros disparates.

Porque há-de o azul simbolizar nobreza
e o verde ora esperança na incerteza
ora por vezes… sinistralidade?!

João de Castro Nunes

Analogia

Ao Prof. Fausto Pontes

O que entre nós achei de similar,
ilustre Professor e bom Poeta,
foi sua forma autêntica de estar,
que nenhum baixo sentimento afecta.

Ambos prestamos culto, além de Deus,
ao clã familiar que nos tocou,
odiando por igual os fariseus
de que ninguém na vida se livrou.

O belo e o bom pusemos sempre acima
de qualquer outro humano predicado
merecedor também da nossa estima.

Às consortes erguemos um altar
de linho revestido e de brocado,
a cujos pés gostamos de rezar!

João de Castro Nunes

Similitude

Como qualquer romano seu coevo,
Cícero, o escritor da antiguidade
mais afamado, eu quase que me atrevo,
no que respeita à imortalidade,

a dizer que não cria na existência
da vida após a morte, muito embora
ambicionasse, à margem da evidência,
para consolo seu, que assim não fora.

É, pelo menos o que faz pensar
a epístola sentida que escreveu
quando a filha Tulíola morreu.

Essa necessidade de voltar
a vê-la algures, em qualquer lugar,
também um dia a mim me aconteceu!

João de Castro Nunes

Ressonâncias simbolistas

Os meus brasões rasguei, meus pergaminhos,
vendi a minha casa, o meu solar,
deixei-me de armaduras e de arminhos,
passando a ser um cidadão vulgar.

Os pés feri nas pedras dos caminhos
e calejei as mãos a trabalhar,
dei conta de sorrisos escarninhos
por já não ter cartão de titular.

Pura ilusão! agora mais que nunca,
ainda que a viver numa espelunca,
arrasto nos salões mantos de conde.

Em paz com Deus, em paz com toda a gente,
sinto-me rei na pele de regente
não sei concretamente… quando ou onde!

João de Castro Nunes

"Sicut aquila volans"

Quisera ser uma águia soberana
de asas possantes, fortes, resistentes,
para voar por cima das vertentes
em que rasteja a criatura humana!

Quisera ser uma águia sobranceira
de acutilante e penetrante olhar
para do céu diáfano enxergar
na sua vera essência a terra inteira!

Quisera, Pascoaes, ter o teu génio,
o teu talento, ó “Águia do Marão”,
por obra de metáfora ou convénio!

Quisera, como tu, perto dos astros
voar, pensar, sem nunca estar de rastros
ante o poder… em plena solidão!

João de Castro Nunes

"O sétimo selo"

Para Ingmar Bergman
no dia do seu falecimento.

Sentámo-nos um dia frente a frente
perante um tabuleiro de xadrez,
olhos nos olhos, confiadamente,
a Morte e eu, jogando vez à vez.

De lance em lance, sem pestanejar,
eu disputava à Morte, em paridade,
o compromisso de corroborar
as minhas pretensões à eternidade.

Da minha parte eu me comprometia
a legar-lhe o meu ser acompanhado
de tudo… quanto a ele pertencia.

Foi jogo limpo, sem ardis, leal:
depois de horas a fio disputado,
dei xeque-mate à Morte… no final!

João de Castro Nunes
30 de Julho de 2007.



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Sapatinhos brancos

Em vez de pés descalços ou tamancos
como ainda se vê no interior
todas as criancinhas , sem favor,
deviam ter seus sapatinhos brancos.

Deviam ter lacinhos na cabeça
como as meninas usam na cidade
e vestidinhos em conformidade
embelezando a vida que começa.

Deviam todas ter, sem excepção,
meias e luvas brancas destinadas
ao acto da primeira comunhão.

Como em qualquer real democracia,
que ao menos possam figurar calçadas
de sapatinhos brancos... nesse dia!

João de Castro Nunes

Silencioso heroísmo

Ser o melhor na bola, correr mais,
deixando todos para trás nas pistas,
cartografar estrelas nunca vistas,
girando nos espaços siderais;

conduzir automóveis, aviões,
cada vez mais velozes e potentes,
investigar por dentro as nossas mentes
e vasculhar os nossos corações;

são desde logo acções que nas histórias
da humanidade irão deixar memórias
por sua incontestável importância,

enquanto que, em pesquisa recatada,
pouco ou nada se diz da relevância
da luta contra o cancro entabulada!

João de Castro Nunes

Sete-estrelo

Os números possuem, desde logo,
uma certa magia; só que não
batem certo comigo quando jogo
no totoloto ou bingo de salão.

Há números e números: nem todos
têm o mesmo carisma, certamente,
sem para nada depender dos modos
de como os interpreta a nossa mente.

Detesto o nove; o três, vou tolerando;
o treze dá-me sorte, pois foi quando
na vida me enlacei com meu amor.

O número, porém, com mais pendor
para o sucesso… deve ser o sete,
pois até nas estrelas se repete!

João de Castro Nunes

sábado, 21 de janeiro de 2012

"Sábias palavras"

Ao Prof. Amadeu Carvalho Homem

Essas palavras sábias que transcreve
subscritas por três grandes pensadores
assumo-as como textos de escritores
aos quais o seu carácter muito deve.

Isto que digo sem bajulação
de espécie alguma por desnecessária
advém da humanidade extraordinária
que o vejo pôr na sua actuação.

Vossa Excelência, afeito a ensinar,
sabe levar os outros a adoptar
seus ideais de Altura e de Beleza.

Deus ou, se prefere, a Natureza
dotou-o de uma notória inteligência
sem restrições aberta à convivência!

João de Castro Nunes

Saber ouvir

Só não quer escutar a voz do povo
quem não está seguro da razão
e quer impor a sua opinião,
o que não constitui nada de novo.

Há que remar contra esta má tendência
de tudo resolver sem referendo
seja qual for o caso ou diferendo
que esteja em causa face à prepotência.

Dê-se ao povo em questões de discordância
o supremo direito que lhe assiste
de se pronunciar… mesmo à distância.

Depreciar o parecer alheio
é desde logo, quando se persiste,
a mais completa prova de receio!...

João de Castro Nunes

Sangue rubro

Sinto correr nas veias sangue rubro
de heróis tombados de bandeira em punho,
de cujo ardor a história é testemunho
e ante cujos feitos me descubro!

Inveja tenho, digo com franqueza,
da sua glória obtida nas batalhas,
das suas arrancadas em beleza
sob a chuva imparável das metralhas.

Esse não foi, por certo, o meu destino,
condenado a viver na pasmaceira
de uma vida sem gosto nem craveira.

Mas guardo em mim, no sangue que circula
em minhas veias, rubro e genuíno,
esse ar de altura que ninguém macula!

João de Castro Nunes

Gostar de Poesia

Não se aprende a gostar de Poesia
vendo jardins e contemplando estrelas
na abóbada celeste cheia delas
regidas por sinfónica harmonia.

Não se aprende na escola ouvindo ler
ou lendo, por estarem nas selectas,
os versos dos mais célebres poetas,
que nos acabam por… aborrecer.

Aprende-se na vida ao descobrir
a beleza de um riso de criança
que próximos de Deus nos faz sentir.

Aprende-se a gostar quando se alcança
a perfeita aliança, em paridade,
da liberdade com a humanidade!

João de Castro Nunes

O dom de rir

Minha mulher a tudo achava graça:
como criança de alma ainda pura,
em todo o sítio ou em qualquer altura,
de tudo ria, menos da desgraça.

Eram faladas suas gargalhadas
que, atravessando portas e janelas,
faziam ressonância nas estrelas
e eram pelos anjos escutadas!

Se em vez de ser católico romano
eu fosse apenas um pagão profano,
sabeis o que diria a esse respeito?

Que o dom de rir assim, de peito feito
e alma sã, sem ânimo de ofensa,
era dos deuses… uma graça imensa!

João de Castro Nunes

Perenidade

Horacianamente quanto existe
em termos de matéria findará:
o bronze, o aço, tudo quanto há
ao desgaste do tempo não resiste.

Ficarás tu: cantada em meus poemas,
que certamente não desbotarão,
afrontarás os tempos que virão
indiferente aos seus estratagemas.

No firmamento hão-de apagar-se os astros
e das nações as ancestrais bandeiras
hão-de deixar de tremular nos mastros.

Apenas tu, por mais que o tempo faça,
perdurarás de todas as maneiras,
meu sacrossanto amor… cheia de graça!

João de Castro Nunes